Sarau das Zeferinas: sobre força, literatura e enfrentamento


Eu, homem, na condição de opressor, peço licença ao coletivo Zeferinas para falar um pouco
sobre a noite de ontem. Esse coletivo que dispensa apresentações, que já levou para
Cajazeiras o Slam das Minas e o Slam da Raça, realizou na noite de ontem (01/07/2017) a
primeira edição do Sarau das Zeferinas. E logo em sua primeira edição reuniu uma
quantidade grande de pessoas para curtir e compor esse espaço de protagonismo da mulher
negra periférica e de empoderamento político, artístico e social.
Intimando a galera elas começaram a lançar suas poesias - afiadas como uma espada, rápidas
e contundentes, seus versos são sempre um murro na cara (não dá para sair do sarau das
Zeferinas sem pensar minha condição opressora enquanto homem). Donas do palco elas
atiram seus versos de protesto e denúncia com uma força impressionante - não só a voz, mas
todo o corpo recita a poesia e, sobretudo, os olhos, fortes e seguros, fazem com que a
experiência se torne um arrepio atrás do outro.
Mas como elas mesmas falaram, impressionar e emocionar não basta para o que elas almejam
que é o fim do machismo e do racismo. Diante disso, elas sentaram e iniciaram um debate
olho no olho, bem íntimo com quem estava e com a realidade feminicida da nossa sociedade.
De mão em mão o microfone foi passando e foi abordado no debate a complexidade e a
diversidade da violência contra a mulher (simbólica, material, física, psicológica). Muitos
relatos foram dados sobre situações que se multiplicam na sociedade e que são rotina na vida
das mulheres e como as Zeferinas mesmas falaram - não dá para ignorar e se acomodar diante
dessa situação, pois ,se fizéssemos, estaríamos banalizando a barbárie.
Entretanto, apesar de ter sido um grande sarau de mulheres negras, o machismo ainda tentou
atrapalhar a noite e o protagonismo das pretas em sua própria casa. Mesmo elas já tendo
reservado a quadra para o evento, homens começaram a jogar volei no mesmo espaço,
ignorando as argumentações delas e seus direitos. Em momento posterior, já durante o sarau,
algumas pessoas, sobretudo homens, ignoraram o debate e passaram a conversar sem nenhum
pudor sob o volume de suas vozes. Além disso, com o microfone aberto, muitos homens
foram a frente, invisibilizando o protagonismo da mulher em seu espaço. Em todas essas
ocasiões o coletivo se portou de forma contundente e forte e soube passar sem muitos
problemas por essas dificuldades.
Particularmente, eu ganhei a noite lá em Cajazeiras com o Sarau das Zeferinas e torço
imensamente que atividades como essa se multipliquem ainda mais na cena soteropolitana.
Por fim, quero relatar uma ocasião que chamou minha atenção. Em um dado momento do
sarau algumas gotas passaram a cair do céu. Algumas pessoas levantaram, o coletivo das
Zeferinas junto com integrantes do Jaca cobriram as caixas de som, as atenções se
dispersaram. Nesse momento era possível ouvir o pensamento das integrantes - “depois de
tantas dificuldades… não acredito que vá chover”- e elas olharam para o céu negro em tom
de repreensão. E diante da força das Zeferinas nem a chuva ousou silenciá-las.

Andrei Williams Santos Rocha.


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