Poemas de Kelly Barreto Gualberto





 




Foi ainda na infância que Kelly Barreto Gualberto começou a escrever o seus primeiros poemas. Ela é Estudante do BI em Humanidades na UFBA, poetisa, performer, violinista e cantora do núcleo da liberdade do Neojiba e também integrante do projeto Rede ao Redor: Encontro de artes das/nas periferias.

"Acredito que a vida é um ciclo de palavras dentro das ocasiões. Hoje escrevo poesias como uma forma de resistir a toda opressão que eu e muitas mulheres pretas sofremos cotidianamente. Por isso, para cada poesia há várias histórias ditas ou não", Kelly afirma. 



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      Poesia I- Silêncios


Eu estou para dizer que estou cansada de tanto sofrer.

Enquanto, eu fico em casa trabalhando ele acha que tem o direito,

O D-I-R-E-I-T-O de levantar a mão para mim.

Mão, essa mesmo, que poderia ser usada para cuidar, amar, acolher

É apenas vista para bater.

Meu corpo sangra por dentro. Minha alma dilacera morrendo.

E ninguém liga para isso, até porque briga de marido e mulher ninguém

Mete a colher, não é mesmo?

Um oceano de lágrimas corre. Meu corpo foi possuído pelo dominador.

Minhas filhas assistem que nem como um filme de terror.

Silêncio amontoa dor. Grito ensurdecedor. Agonia. Choro. Lamento.

Apenas mais uma dor de uma mulher preta que sofre sem amor.

Amor, amor, amor. Cadê? Achismo, racismo, machismo, ismo mesmo.

Reflexos de vidas que morrem todos os dias, na noite, na favela, no gueto

Na PE-RI-FE-RIA. Mas quem liga, não é mesmo?

Mulher preta continua não sendo só o outro, mas objeto de outros.

Dói. Sangra. Mata. Ver, ouvir, sentir uma mulher sofrer.

E é por isso que estou aqui. Não quero nenhuma a menos.

Estou aqui armada com o meu conhecimento, sem medo e sim forte

Para não deixar isso acontecer.

Mas, e você? O que tá fazendo para não deixar mais nenhuma mulher morrer?



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       Poesia II- Corpo. Meu. Nosso



Pele preta, mulher negra tratada como animal.

Escrava, submissa, esterilizada e vendida pros senhores de engenho

pra ser estuprada. Mulher forte, destemida antes mesmo de existir

o nome feminista. Mulher, mas não para aí não, viu?

Dilacerada, cortada, esquartejada pelo marido ou policia na noite,

Na madrugada.

E mesmo assim é trabalhadeira, curandeira, ganhadeira,

ferreira, arrumadeira, lavadeira e lutadeira.

 É o que dizem. Acabou a escravidão. Rapaz, foi mesmo?

Mas ainda continuamos morrendo.

Violência, estupro, assédio.

Mulheres do meu corpo, da minha carne.

Mulheres que sofrem machismo, racismo, injúria, preconceito

FE-MI-NI-CI-DIO

Extra, Extra, Extra, cresceu não foi o imposto e nem a receita,

Mas foi o índice de morte da mulher preta

E ela ocupa 86% da população carcerária no Brasil.

Até onde vamos parar?

Eu não sou só peito e bunda. Eu não sou mulher para você se aproveitar

E deixa pra lá.

Este é o meu corpo e eu decido o que faço com ele.

O meu cabelo é a minha identidade. A minha.

A nossa luta é diária.

E, por isso, me calar?

JAMAIS.



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      Poesia III-  Amor



O  amor.

Termina morrendo como um beija-flor

Desabrocha na forma de uma flor

Cresce em torrentes de gozo

Misturado com sabores indolores

E um pouco de veneno a sabor.

Ao passar pelo fluxo da vida

Em um dia Teiú

No outro pititinga

Vermelha, rosa, amarrozada.

Há nessa flor várias histórias mal contadas

Sobre uma rosa desalmada.



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      Poesia IV- Tempo



O tempo

Renasce a cada contratempo

Minutos, segundos, horas em desalento.

Pronto para mostrar suas garras e abocanhar o vento

Vou comprar um sonho de bolhas

Em papéis de espumas flamejantes e flores calmantes.

Talvez assim eu consiga pegar esse ‘traquino’ atropelante. 



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      Poesia V- Bolhas pretas


Sinal de paz. Good Vibes

Não de terror e maldade

Sinto pelos meus parceiros que dormem

No subsolo da terra.

Mas continuam comigo

No meu coração.

Como uma preta bolha

Voando no céu

Enquanto a vejo parir

Sentimentos aflorados

Dentro do meu ser

Gritos por todo lado

A esperança persiste viva

Florindo num dia de chuva

Enquanto o céu escurece o caminho

Apenas vejo pegadas na areia

E o vento apagando as digitais

Das memórias eternas
De quem não vive mais um dia para contar sua história.


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